Presença Divina em tudo e em todos


 
Quando os véus da ilusão são retirados de nossas frontes recebemos um dos mais belos milagres que a Mão Divina pode nos conceder enquanto por aqui estamos encarnados: a gratidão. Deus, Pai, Vida, Mistério Divino, Todo Poderoso, Universo, o nome que sentires de dar. Ele se apresenta diante de cada um de nós todos os dias, a todo momento. Num silencioso e agraciado movimento, nos toca pelos olhos da criança, nos suaviza pela brisa do vento, nos alegra com o saltitar de um animal que passa, nos acaricia com o aroma de uma flor, nos acolhe com o aconchego de um lar e nos lembra que não estamos a sós, quando por meio da gentileza de outros humanos, somos recebidos em amor.


Exercitar a presença Divina que somos na densidade da matéria exige o contínuo respirar e a entrega além da atenção para nos mantermos no centro de nós próprios. Os movimentos naturais da Vida vem e vão e cada um de nós seremos apenas e exatamente aquilo que para aqui fomos convocados e estamos. Perceber o toque do amor Dele em nossa jornada faz com que todos os processos sejam suaves, bonitos e ao mesmo tempo Divino, ainda que a vida material tente retirar o foco de nosso caminhar.

Mas o olhar para além do véu da ilusão exige um esforço supra-humano para não permitirmos que os corpos emocionais se identifiquem com as misérias do mundo da matéria. Perceber criaturas doentes, carentes, ausentes de si mesmas. Reconhecer num animal abandonado, machucado, maltratado a solidão e falta de um teto, a dor que em nós instala como se parte daquela dor fosse nossa também. Conseguir enxergar as carências do humano que insiste na pobreza de uma materialidade que não pertence ao verdadeiro fim, que é o transcendental a tudo isso. E compreender que a melhor e mais verdadeira ajuda que se pode exercer diante de tal criatura é tão e puramente silenciar para que não aja as interferências da cura que necessita acontecer em toda aquela dor, que na verdade não é dor, mas a ascenção de uma alma que se elevará em breve.

Um dia alguém contava uma das histórias de Sidarta Gautama, o Buda, que diante tamanha iluminação, sabia discernir entre quem e o que deveria intervir. Ele podia passar com uma tigela cheia de comida em frente a dois homens famintos e saberia exatamente a qual deles deveria ajudar doando seu alimento. O mesmo acontecia quando cruzava pelo caminho de dois homens a pedir abrigo para o frio. Sua lucidez e clareza cósmica permitiam que ele doasse seu manto apenas ao homem que já estivesse pronto a receber a graça do acolhimento. Por mais que pudesse parecer um ato de falta de amor de Sidarta em não estender a  sua ajuda ao outro, essa era a verdadeira ajuda que ele podia oferecer ao que insistia na carência do frio ou da fome. A verdadeira cura desses homens aconteciam na experiência da prova e não da abstencão da dificuldade daquele momento, que como tudo no universo, é transitório e passageiro.

Reconher o Divino em nós e também naqueles que transitam pelo tráfego de nossa jornada é aprimorar o dom Divino da intuição e estarmos aptos a enxergar sem os véus para permitir que a ilusão se manifeste de maneira real, crua e verdadeira. Sermos fortalecidos na fé e saber que somente na entrega e no exercício da gratidão é que se adquire um novo passo rumo a verdadeira morada. Conseguir enxergar a Divindade ainda nas mazelas do que resta do mundo velho nessa fase transitória do planeta, é tarefa e atribuição para poucos, pois para se abrir as camadas dos sofrimentos alheios sem se permitir ser influenciados por elas é preciso centro estável, domínio de presença e silêncio internos, além de uma graciosa equanimidade como o bambu que enverga diante das tempestades mas que não quebra e ali permanece a crescer independente dos fatores externos que o cercam. Porque até mesmo essas delicadas manifestações da natureza e todo o seu mistério revela para nós a Divindade ali manifestada nos ensinando a todo momento e nos revelando graças e preciosas lições que nos servem, a cada instante para o desenrolar de nossas atuais vidas onde seremos capazes de harmonizar ainda mais nossos centros e estarmos aptos a desabrochar a profundeza de quem verdadeiramente somos.

Fernanda Paz
Fevereiro, 2020

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