Trazer o céu à Terra exige entrega. Sermos agentes de uma nova realidade exige um verdadeiro amor a tudo e a todos, sem exclusão, sem seleção ou preferências. O famoso líder hinduísta do ciclo anterior, Paramahansa Yogananda costumava falar em várias de suas obras sobre a relação do homem mundano com seu núcleo familiar e a dificuldade que este tem em desapegar desses processos para se abrir a uma verdadeira transformação de seu próprio Ser e conseqüentemente de toda a humanidade. Ainda quando criança, Yogananda já sentia um forte impulso para sair de casa, como assim o fez ainda na fase da adolescência, com apenas uma pequena muda de roupas em busca de seu mestre espiritual. Claro que cada ser encarna nesta Terra com um propósito e uma missão, ainda que essas possam estar diretamente ligadas às questões terrenas e não necessariamente às questões espirituais. No caso de Yogananda havia uma missão específica - levar o conhecimento da técnica da Krya Yoga ao oriente numa amorosa e desafiadora tarefa de revelar às Américas uma espiritualidade unificada, onde a figura de Jesus Cristo e Krishna estivesse para além de um olhar doutrinário religioso, mas sim no contexto de um amor universal e único cujos ensinamentos e caminhos apontados por esses dois avatares revelassem à toda a humanidade a mesma verdade.
Foi num processo intenso e muito marcante a relação do desenlace de Yogananda com a sua mãe. Desde criança, o apego natural à figura materna o levava a sentir certa dificuldade em abandonar o ninho familiar para seguir o chamado de seu coração rumo ao seu mestre espiritual. Claro que Yogananda tinha consciência plena de sua tarefa e em momento algum cogitou a possibilidade de desistir de sua jornada, mas todo o processo da desconexão do núcleo familiar e em especial da figura materna, acaba por ganhar um espaço especial tanto em sua famosa obra Auto Biografia de um Yogue como depois em fragmentos de outras obras.
A conexão com a mãe e o processo do desenlace é especialmente marcado com o seu processo de entrega à vida espiritual quando em uma de suas viagens – sempre na busca de seu mestre – Yogananda percebe a aproximação do espírito da mãe a se despedir do filho num adeus reconfortante e libertador dizendo para ele, entre outras palavras, da importância dele seguir a sua Mãe Divina e não se preocupar com sua mãe terrena pois esta já estava “indo embora” desta Terra mas nunca deixaria de estar com ele. Yogananda entrava em processos meditativos extremamente profundos e elevados, porém, até o desencarne de sua mãe, sempre havia nele aquela breve sensação ilusória do apego à figura materna, o que depois mais para frente ele confirma em seus escritos o quanto o amor à Deus e a Mãe Divina são de tamanha ordem que amor ou relação humana alguma seriam capazes de preencher qualquer ser humano nesta Terra.
O desfecho dessa desconexão com a família de Yogananda se deu então com a morte de sua mãe numa ocasião em que ele estava distante fisicamente e por isso a comunicação do espírito da mãe a se despedir dele num movimento de amoroso adeus e como que uma “benção” da figura materna a dizer: “isso filho, segue seu caminho espiritual, pois isso é o que de mais importante você deve fazer”. Além da figura materna, uma das irmãs de Yogananda também precisou passar por um processo de aceitação do “desapego” do irmão que não tinha outra razão de estar encarnado nesta Terra que não fosse encontrar seu mestre espiritual, receber a Krya Yoga e revelar ao mundo a revelação do amor universal para além dos olhares separatistas da humanidade em relação às questões religiosas.
Já a própria linhagem de mestres de Yogananda traz a temática sobre os núcleos familiares muito latentes. Lahiri Mahasaya, o guru do seu guru, viveu na Índia num contexto tradicional indiano onde todo o processo de castas e grupos familiares era um processo natural e ao mesmo tempo arbitrário por não se cogitarem, naqueles tempos, qualquer realidade diferente da que não fosse aquela, ou seja, os casais sempre obrigados a se casarem muito jovens e a ligação kármica para o resto de vossas vidas. Lahiri Mahasaya revela dentro da linhagem da Krya Yoga um padrão que poderia ser considerado “diferente” aos olhos dos que enxergam a questão espiritual algo distante demais da própria realidade humana. Casado e compromissado com tarefas “mundanas”, Lahiri Mahasaya assumia o papel de um iogue “pai de família”, com todas as tarefas normais de um homem “do mundo”, porém, em profunda sintonia com Babaji, a consciência cósmica que está por traz de toda a fonte da linhagem de Paramahansa Yogananda. Por isso mesmo, o próprio Yogananda por vezes sempre está a lembrar dessa figura tão especial que foi Lahiri Mahasaya e acaba por sempre trazer esse exemplo em seus escritos quando tem o objetivo de comunicar às pessoas a temática sobre a relação do homem com a família e o contato com as obrigações espirituais. É claro que apesar de ser um homem “normal” com demandas “normais” do dia a dia desde as tarefas domésticas mais simples até a realidade de estar atuando num ambiente de trabalho para o sustento de sua família, o foco de Lahiri Mahasaya acabava por ser a prática da Krya Yoga e o comprometimento com Babaji numa ligação profunda de conexão que permitiria, no futuro, todo o desenrolar daquela linhagem que chegaria até Yogananda.
As mulheres e os filhos desses grandes homens, assim também como o próprio Mahatma Gandhi, viviam uma realidade diferente por mais que houvesse uma similaridade no processo casa-trabalho-família é quase impossível comparar uma realidade dessas com a de um núcleo familiar comum cuja figura paterna não tenha como foco a vida espiritual. A esposa de Gandhi, por exemplo, tinha total consciência da entrega do esposo e em alguns escritos sobre o pacifista encontramos revelações importantes que revelavam à grandeza do respeito da mulher a figura do companheiro que chegava a ter total consciência do exato dia e momento a manter uma relação sexual, por exemplo, para que fosse cumprido o exato propósito daquela copulação: ele sabia que naquele momento era para ser gerada uma vida. E pronto, se não fosse por esse processo em total sintonia com a sua consciência mais profunda, Gandhi não mantinha relações sexuais. Claro que existem muitas outras versões a respeito do homem Gandhi, antes do Mahatma, mas ao olharmos ao aspecto mais puro e em sintonia com este artigo, este seria um dos exemplos mais belos que poderíamos vir a rememorar.
Os núcleos familiares são processos kármicos prontos para serem transmutados. Não estamos aqui para permanecer numa constante e infinita Roda do Samsara. A idéia, como já assimilaram os budistas, é transmutar essas processos e libertar-nos das amarras dos equívocos do passado rumo à iluminação. Sair da Roda do Samsara é o retorno à verdadeira casa, à verdadeira família, que é cósmica e universal. O grande desafio dos que já despertaram ao amor incondicional é perceber que para vivê-lo há a necessidade da entrega. No próximo artigo abordaremos um pouco do aspecto de Jesus nesse contexto. Aos leitores em siintonia com esse tema, sejam bem vindos ao próximo encontro.
Fernanda Paz
Fevereiro, 2020
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